terça-feira, 18 de outubro de 2011

Inquisitive Tale.

Você não pode saber sobre o que estou escrevendo. Porque ainda não leu sobre isso. E, talvez, mesmo que tivesse lido, ainda não entenderia direito a que ponto eu, autor, quis chegar com tal apontamento. Mas é lógico, não é? Eu e você não poderíamos entender exatamente a mesma coisa de uma determinada linha, senão qual seria o papel do leitor na minha amostra? Certamente que você deve ter um. Se por acaso não te interessares por este tipo nobre de trabalho, pare de ler imediatamente.

É bom que hajas desistido, uma vez que só escrevo para os curiosos e questionadores. Foi a curiosidade que te levou para frente? Para ver o que este tipo de autor pode guardar pra você? Bem, como eu já disse, eu nada guardo para você, eu jogo informações para que você possa assim chegar a suas próprias conclusões. E a curiosidade por si mesma é questionadora, portanto, você que prosseguiu até aqui pode continuar (se perguntando).

Roberto tem em suas mãos um brinquedo de infância. Ele não sabe ao certo o que fazer com ele: tal inanimação no aconchego de suas palmas cria um leque de lembranças, toma vida nas experiências que deixa e, com elas, um sentimento de perda muito grande caso aquele objeto se perca; ao mesmo tempo, ele sabe que em suas mãos o objeto não tem qualquer função.

E por função - é importante deixar claro com que intenção uso esta palavra, para que o leitor pense que me conhece um pouco melhor – me refiro a uma sociedade contraditória que valoriza a sensibilidade e que no seu prosseguimento automatiza os seres e prega valores racionais nos seus lugares, valores tais que desprezam justamente aquilo que ela pretendia valorizar em primeiro lugar: o humano. Falo da função de uma sociedade matematizada das aparências humanistas.

Camila é doente. Seus pais a levam ao médico desde que tinha cinco anos, mas não sabem explicar para os parentes o que ela tem exatamente. Nem ela consegue explicar o que tem, ela só sabe que não consegue acompanhar os outros na escola e que não faz as coisas chamadas “comuns” com a mesma frequência que as demais crianças. Ela pensa diariamente o quão infeliz é e como os acontecimentos não fazem sentido algum, sempre se perguntando o porquê de ter nascido como o fez.

Arthur e Matilde se casaram há dez anos. O casamento foi harmonioso nos primeiros três anos. No terceiro ano Arthur perdeu o emprego, sua filha tinha dois anos de idade na época e foi privada da grande maioria de bens com os quais poderia ter crescido com. Matilde tentou começar a trabalhar, mas não possuía qualquer qualificação exigida pela sociedade funcional, por isto é como se ela não pudesse fazer parte das engrenagens treinadas daquela enorme máquina. Arthur também demorou muito tempo para conseguir um novo emprego e, enquanto isso, Matilde lavava roupas para conhecidos por alguns trocados. Arthur tinha uma cabeça às antigas, ele não aceitava que a mulher estivesse sustentando a família. E assim Arthur e Matilde começaram uma vida separada na mesma casa.

Em que ponto será que todas essas personagens se tocam, você deve estar se perguntando? Oh, devo avisar que esta é uma história trágica, sobre pessoas infortunadas de destinos meramente entrelaçados que terminam eventualmente no mesmo trilho. Aqui não há felicidade. E essa é a sua última chance de parar de ler.

Hoje Roberto decidiu largar mão de se amarrar no passado. Hoje, também, Camila chegou à conclusão de que seria melhor por um fim em toda essa tortura existencial. Nesse mesmo dia, Arthur dormiu fora de casa. Havia brigado com a mulher, e também a traiu. Matilde se encontrava nervosa dada a hora da discussão e havia castigado a filha sem quaisquer motivos causados pela própria criatura.

Deixe-me apresentar-lhe o lugar fatídico de nossa história: a Praça Zenhi é um dos lugares mais famosos e, por isso, movimentados da cidade por conta de sua proximidade de certos pontos turísticos. Hoje é o dia no qual a Praça jamais será esquecida. Quando uma desgraça acontece, todas aquelas pessoas que criaram uma bolha social, lembram-se de que o mundo lá fora existe de alguma outra forma além daquela a qual estão condicionadas.

Roberto anda com uma mala em direção ao banco principal da cidade. O banco fica na Praça Zenhi. Camila está agora se despedindo de suas coisas e pegando o dinheiro que precisa para uma última encenação no palco do tempo. Arthur voltou pra casa, bateu na mulher por ter batido na filha. Na hora do almoço tudo já estava resolvido na casa e os dois resolvem dar um passeio no centro da cidade para fazer algumas compras.

São três horas e três minutos da tarde. O clima é chuvoso, como tem feito ultimamente. Ninguém espera pelo que pode acontecer. De repente o alarme do banco é disparado, algo aconteceu dentro ou em frente a ele. As pessoas se agitam para chegar ao local, o som do burburinho é ensurdecedor.

E agora?

Roberto aparece correndo, todo suado, sem a mochila nas costas, em meio à multidão. Ninguém se atenta à presença daquele ser, todos esperam saber apenas o que aconteceu, como se o evento já estivesse fechado no tempo. Saiba que, quando algo sai da rotina daquela gente, elas são capazes de se amontoar do jeito que for para ter um segundo de distração.

Há uma garota caída num canto da praça. Um senhor parece socorrê-la, mas aparentemente ela só foi deslocada pela multidão. Nesse mesmo momento, passa um casal com a filha, conversando um tanto alheio a todos os acontecimentos ao redor: eles tentam disfarçar em plena visão a céu aberto a desgraça que vivem como família.

São seis horas da tarde. A praça Zenhi se encontra em relativa paz nessa hora.

Texto inspirado em: Laurence Sterne e Émile Zola.

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