quinta-feira, 28 de março de 2013

Às vezes me fascinava a repetição das coisas e às vezes me tomava de medo com elas. Ficava boquiaberto com a quantidade de vícios e falhas que nós, humanos, carregamos e como somos levados, por nós mesmos ou por outros, a agir da mesma forma, mesmo que ruim. Lembrava-me de imaginar quais motivos levariam uma pessoa a ter mais de um filho, ou viajar em frequência tão baixa. Não faz sentido.
Em meio às divagações, algo me arrebatou na cabeça: um avião de papel. Eu me encontro nesse momento em escritório, embora seja um investigador criminal: os casos da cidade me pertencem, mas eu não sei se pertenço a eles. Sou um pessimista.
- Hey! O que é isso? – perguntei rapidamente.
- É só um avião de papel! – disse X, rindo.
- E quantos anos você tem? – comecei a ficar mais sério.
X deu mais um rápido sorriso e uma piscadela. É admirável como ele aparenta facilidade em lidar com tudo, e se demonstra animado, quase sem ligar para o que ocorre. É por isso, penso eu, que eu sou o seu chefe. Nós dois somos solteiros, o que sempre me explicou o fato de que eu ser pessimista não é o motivo de meus relacionamentos não durarem; já que X é otimista, e considerado bonito pelas mulheres que trabalham por aqui.
O que acontece com X é que ele aparenta algo que não pensa realmente e isso se traduz em todas as suas atitudes, ou talvez ele só seja gay e tenha muita vergonha de ser oprimido socialmente por causa disso.
Eu sei que o meu excesso de pensamento tem atrapalhado meu trabalho, uma porque eu assumo mais ideias do que o caso possui; outra que se eu não estou pensando demais no caso, estou pensando muito em outra coisa. Preciso reaprender a me concentrar, como fazia nos velhos tempos quando alcancei meu posto e status de trabalho.
Claro que meu posto não é tudo. Quem dera ele fosse. Muitos novatos querem receber meus casos, eles são mais intrigantes e complicados, por isso eu posso levar meses para solucionar um único caso e as cobranças não são tão ferozes. Já no caso dos novatos, a vida se dá através da febre pelos números. O que conta é a produtividade dos casos e nem sempre há tempo de acertarem com grande precisão.
- Y, tem um caso grande encomendado para você, que tal? – disse meu colega, entregando-me o relatório.
Respirei fundo e dei aquela olhada superficial nos papéis – não me agradava mais nada: assassinatos, raptos, corrupção, casos animalescos, drogas, nada -, foi quando eu li:

Nome criminal: Dart
Crime: assalto organizado
Relato de procedimento: o criminoso usa uma bola que pula, do tamanho de uma bola de ping pong, como distração. Em seguida sempre age de formas diferentes, mas cumpre seu objetivo. Já houve situações nas quais não retirou dinheiro. Normalmente age sozinho, porém houve casos em que outras pessoas compareceram com ele no local do crime. As testemunhas relataram se encontrarem perdidas enquanto Dart resolvia agir. Jamais foram as mesmas pessoas, nem os mesmos lugares.


Confesso que fiquei embasbacado e, na surpresa do momento, consegui perceber uma mosca em meu café. Acontece que eu não estava mais ali, eu estivera ali um segundo antes, mas agora o meu juízo, que sempre se julgou muito sábio, queria ter sua atenção de volta, e dele só se tira passado e medo:
- Uma bola? Esse é o tipo de caso sério que temos de resolver hoje em dia? Você deve estar achando que eu sou um palhaço! – não falei, praticamente cuspi em uma única rajada de fogo que nem vi de onde veio, porém os rastros deixaram reflexos vivos nos olhos de todos ao meu redor. Os olhos me julgaram e disseram que eram melhores do que eu, que nunca se rebaixariam ao meu nível e era só isso que eu queria ver, era tão mais fácil pensar que todos estavam contra mim! Enquanto, na realidade, eles me olhavam sem saber o que pensar. Não aguentei mais, peguei o relatório e levantei abruptamente, dizendo:
- Vou levar! Preciso pensar, mas deixo claro que não é o que eu quero, fiquem sabendo.
Se meu colega soubesse o que dizer, talvez fosse algo como “Você precisa de férias” ou “Por que eu estou nesse cargo aqui e você está nesse cargo aí?”. Meu ódio inflava só de pensar que ele podia estar sentindo pena de mim.
Meu mundo ficou imediatamente sem cores ou, ao menos, eu não conseguia enxergá-las. O caso era ruim e as pessoas nunca entenderiam! Nunca! Logo ao sair do prédio o sol invadiu meu mundo descolorido e o calor ora me aquecia, ora me incomodava, não havia lhe permitido tamanha intimidade.